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terça-feira, agosto 15, 2006

Indivisíveis




O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra que havia num terreno baldio entre as nossas casas. Falávamos de coisas bobas, isto é, que a gente grande achava bobas. Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos. Crianças... Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos, a não ser o azul imenso dos olhos dela, olhos que eu não encontrava em ninguém mais, nem no cachorro e no gato da casa, que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso e a mesma animal - ou celestial - inocência. Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu. Não importava as coisas bobas que disséssemos. Éramos um desejo de estar perto, tão perto, que não havia ali apenas duas encantadoras criaturas, mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra, enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...

Mario Quintana

Foto: TRMan

http://pracadarepublica.weblog.com.pt/contos_da_madrugada/

sábado, agosto 05, 2006

Tempos difíceis

A farda engomada e robusta na estatueta de bronze... mistura de latão e cobre é só um busto de azinhavre enclausurado que adormece, como gigante, num ataúde de lembranças sem saudades... fechado à gorje.Símbolo da retórica utópica e ufanista da caserna, dita “dura” nos idos anos do terror inconteste.Esta mesma que aterrorizava, cerceava e apunhalava pelas costas a expressividade e a liberdade dos dissidentes revoltos contra um sistema retrógrado. Manchas...foi o que ficou no metal contundente da baioneta ensarilhada.Pobres comunas do império escarlate...Rubros...Em suas bandeiras tremulavam ceifantes a foice e o machado, insólitas insígnias, vertentes da terra, do trabalho, da igualdade fraterna e liberal.Ascender frente ao paredão sistemático da falange oliva ... impossível. Restou aos rubros camaradas apenas o mofo úmido e fétido dos porões.Como ratos acuados, o açoite rude e o pau-de-arara macularam suas carnes, mancharam-lhes as honras . Companheiros camaradas! Silenciosos, agora, repousam em cova rasa sob a cal. Mártires! Somente mártires, sem fardas, patentes ou graduações ... deixaram ideais.Bravos amotinados contra uma ditadura fascista e retrógrada. Deixaram teus manifestos contra sofismas e falácias dessa retórica opulenta. Aos politicamente corretos...ingratidão e insanidade.Que verbo conjugar num período de incertezas? Qual pessoa ou tempo? Futuro ou presente? Circo ou arena?Na concha virada riem... em conluio. Patéticos demagogos!Estilhaços de uma granada ferem há tempos a honra, bravo pendão que sustenta a esperança ...Salve camaradas! Salve!

Luiz Carlos Reis