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terça-feira, agosto 15, 2006

Alvorada de um suburbano


Segunda -feira, quatro e quinze da madrugada acordei meio assustado com o barulho ensurdecedor do despertador. Num acesso incontrolável de estresse e raiva, desliguei-o brutalmente com uma pancada. Como dormí muito mal a noite anterior.
- "Marvada" pinga! Não estou suportando o meu próprio hálito.
As dores de cabeça... nas costas e pescoço estão insuportáveis, tornaram-se congênitas... são protagonistas da minha insônia, dessa "coisa" de dormir chapado.

Prometo para mim mesmo parar de... nunca mais beber.
- Maldita insônia! Ainda sonolento, levantei e sentei-me na cama, o colchão já não absorve as tensões ortopédicas previstas , meu corpo está cansado e o sono... é incontido e maçante. Espreguiço...o estalar dos ossos rompe o silêncio amorfo. A penumbra invade aquele cubículo frio, fétido e embolorado. Restos mortais de uma barata nojenta e gosmenta, impregnam a sola do meu pé...pisei por infelicidade naquele ortóptero alado. Azar o dela! Tateio o chão com os pés e, na escuridão da edícula, meu cognitivo tão ou... atordoado pela bebedeira indaga: cadê a porra do chinelo? De pé! Finalmente!

A cabeça roda...e roda como pião na cela desenhada com gravetos, num chão de terra batido. Mas é questão de tempo...a topada do antelho mínimo no "pé da cama" foi inevitável, a dor provocou o marejar dos olhos, escureceu a visão, e uma dor pungente e desmedida toma forma...
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
Algumas lágrimas escorrem pelos cantos dos olhos , um palavrão ecoa num desabafo incontrolável, como um rugido, quebrando o silêncio da madrugada...

Luiz Carlos Reis

Foto:
http://www.fotorevista.com.ar/Galeria/Argentina

Indivisíveis




O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra que havia num terreno baldio entre as nossas casas. Falávamos de coisas bobas, isto é, que a gente grande achava bobas. Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos. Crianças... Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos, a não ser o azul imenso dos olhos dela, olhos que eu não encontrava em ninguém mais, nem no cachorro e no gato da casa, que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso e a mesma animal - ou celestial - inocência. Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu. Não importava as coisas bobas que disséssemos. Éramos um desejo de estar perto, tão perto, que não havia ali apenas duas encantadoras criaturas, mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra, enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...

Mario Quintana

Foto: TRMan

http://pracadarepublica.weblog.com.pt/contos_da_madrugada/